Conto: Meu nome é Giuseppe. E eu morava em Pilar em 1932

Foi naquela década que começaram a falar em mudar o nome de Pilar pra Mauá. Uns diziam que era por causa da estação, outros por causa do progresso. O que eu sei é que as ruas começaram a ser batidas com pedra, os armazéns aumentaram, e os italianos já não vendiam fiado.

Conto: Meu nome é Giuseppe. E eu morava em Pilar em 1932

Meu nome é Giuseppe Bertassi.
Cheguei a essa terra com minha esposa Anita e nossos quatro filhos, lá pelos idos de 1932. Na época, ainda se chamava Pilar, mas já sussurravam "Mauá" nos trilhos da estação. Era um lugar pequeno, mas com alma de cidade grande guardada no peito.

Morávamos perto da linha do trem, onde hoje passa o viaduto. Ali, o chão era batido e o telhado, de telhas reaproveitadas. A casa, eu mesmo ajudei a levantar com barro e madeira da redondeza. Dava pra ver o vapor subindo da Fábrica Grande e ouvir o apito que marcava nossas horas — não tínhamos relógio, mas sabíamos o tempo pelo barulho da cidade.

Eu era escarpelino.
Mexia com pedra. Ajudava a moldar os paralelepípedos que começavam a aparecer nas ruas principais. Tinha orgulho do meu ofício. Usava o cinzel como quem escreve no tempo. Minha mulher, Anita, costurava para os italianos da Vila Bocaina — gente nossa, que tentava manter a dignidade mesmo com pouco.

Os dias eram duros, mas vivos.

Acordávamos com o barulho da olaria.
Comíamos pão amanhecido com café e, quando chovia, a água entrava por baixo da porta. Os meninos iam pra escola — quando podiam. Às vezes, Rosa ajudava a mãe com os tecidos. Luigi já carregava tijolo nos braços. Carmine vivia no meio dos trilhos, inventando traquitanas, e Teresa, a menor, se agarrava nas saias da mãe como se fossem mundo.

Na vila, todo mundo conhecia todo mundo. O Curtume Mauá fedia longe, mas era sinal de emprego. E quem trabalhava lá voltava com as mãos ásperas e o feijão garantido. Nos domingos, os moleques jogavam bola no campo da Cerâmica, com bola de meia e alma de craque.

No fim do dia, a gente se reunia em volta do lampião. Minha sogra contava história de assombração: falava da Loira do Mato, do Homem do Saco, de almas que perambulavam pelos trilhos. Os pequenos fingiam coragem, mas dormiam com as mãos fechadas, rezando baixo.

E então veio a mudança.

Lá por 1942, a cidade começava a mudar de nome. Pilar já soava antigo, e Mauá parecia futuro. A estação já trazia esse nome novo, e com ele vinham promessas: calçamento de rua, armazéns maiores, gente nova chegando de todo canto. O barro deu lugar à pedra, e os sorrisos passaram a custar mais caro — fiado virou raridade.

Mas a gente seguiu.
Fizemos casa. Criamos nossos filhos. Plantamos um pé de jabuticaba no quintal. E a cada domingo, sentávamos na varanda pra ver o trem passar, levando e trazendo histórias que nunca seriam contadas.

Hoje, quando olho ao redor e vejo ônibus roncando onde antes passava boi, me pergunto se alguém lembra. Se alguém ainda sente o cheiro da lenha das olarias, ou escuta o barulho dos trilhos na memória.

Meu nome é Giuseppe.
E eu vivi em Pilar.
Num tempo em que a gente sujava os pés de barro, mas guardava o coração limpo feito o céu de inverno.

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